Giro Andino de Motos
Inicialmente previsto para ocorrer em maio de 2024, o Giro Andino de Motos, que atravessaria Mendoza, na Argentina, e Santiago do Chile, foi adiado para outubro do mesmo ano devido às severas enchentes que afetaram o Rio Grande do Sul, resultando na maior tragédia climática já registrada no estado.
Centenas de rodovias, pontes e localidades ficaram completamente destruídas, tornando impossível qualquer movimentação de veículos, exceto em situações de emergência.
O grupo denominado "Viageiros Sudamerikoj" utilizou o WhatsApp como ferramenta de comunicação e interação entre os motociclistas, além da oportunidade onde lhes apresentei o planejamento da viagem, a proposta das rotas, as atrações turísticas a serem visitadas, a planilha de custos, da necessidade de manutenção das motos, das bagagens e a documentação necessária para a viagem. Tudo isto foi amplamente debatido, discutido, adendado e aprovado ao longo de vários meses. Esta se constituiu na primeira fase.
Envoltos em uma mistura de euforia e ansiedade pela viagem, o grupo recebeu a notícia de que Nelsi Schnaider, parte feminina do Moto Casal "Os Aliens" de Santa Cruz do Sul, não poderia viajar devido a uma recomendação médica relacionada a dores em um dos joelhos.
Com o passar dos dias, outubro chegou e tudo estava preparado para o início da jornada.
Entretanto, antes de seguir diretamente para Uruguaiana, atenderiam ao convite do Moto Grupo Os Caranchos de Santiago, RS, e os "Viageiros Sudamerikoj" se juntariam, na sexta-feira, dia 11, ao Encontro de Motos organizado pelos santiaguenses. Alberi Shaf, dada a forte conexão de seu moto grupo, Rapinas, com os Caranchos, facilitou essa participação e a visita à cidade. Na verdade tratava-se do 15º aniversário deste moto grupo.
Sexta-feira 11 de Outubro: Início do Giro Andino de Motos
De acordo com o plano, eu sairia de Capão Novo bem cedo, com destino à Ponte Estaiada na BR 448 em Porto Alegre, onde os amigos Arli Figueira, Paulo e Gilda Valdameri me esperariam. A partir daí, seguiríamos em direção a Santa Cruz do Sul, passando pelas BRs 386 e 287, onde encontraríamos Afonso e sua filha, Julia Schnaider. Nossa expectativa era chegar em Santa Maria por volta das 13 horas, onde Alberi Schaf aguardaria em um local estratégico para nosso almoço e a continuação da viagem para Santiago do Boqueirão. Este foi oficialmente o primeiro nome do município de Santiago.
- Partiu! – foi a mensagem que enviei ao grupo assim que dei início à jornada pela Estrada do Mar.
Tudo tranquilo e conforme o planejado, exceto pela forte chuva que atingia o Litoral Norte.
- Sem chuva aqui em Porto Alegre, respondeu o trio da capital.
- Em Santa Cruz, tempo seco, informaram Afonso e Julia.
- Santa Maria também sem chuvas e calor, escreveu Alberi.
Ao chegar em Porto Alegre, a felicidade em reencontrar amigos que compartilharam tantas aventuras sobre duas rodas. Muitos abraços foram trocados e, em pouco tempo, agora em um grupo de quatro, seguimos viagem em direção a Santa Cruz do Sul.
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Em Porto Alegre: Paulo, Gilberto Cesar, Arli e Gilda |
Na terra do tabaco e da oktoberfest, as saudações também foram direcionadas aos amigos Schnaider, acompanhadas de exclamações a respeito de três novidades:
- A nova moto do Afonso, uma impressionante Harley- Davidson, laranja, com 1690 cilindradas. Uma verdadeira máquina.
- A nova moto da Julia, uma belíssima NC 750, vermelha.
- A própria Julia, que com pouco mais de dois anos de experiência no motociclismo, estava se preparando para sua segunda viagem a países sul-americanos, eis que fora a Assunção, a capital do Paraguai, com sua antiga Twister 250. |
Em Santa Cruz do Sul: Gilda, Arli, Gilberto Cesar, Julia Afonso e Paulo |
Já passava um pouco das 13 horas quando os seis motociclistas chegaram à cidade de Santa Maria, que apresentava uma temperatura bastante elevada e um sol escaldante.
Naquela cidade universitária, se dirigiram ao Posto Botoqueiro, onde o Alberi e alguns integrantes do MG Rapinas também se encontrariam para seguir em direção ao evento de motos em Santiago.
O encontro com Alberi foi bastante animado, refletindo a empolgação dos demais parceiros sobre duas, três ou seis rodas, já que os Rapinas utilizam motocicletas, triciclos e, mais recentemente, trailers e motorhomes para os deslocamentos.
As conversas foram rápidas, mas cheias de entusiasmo, e logo muitos partiram. Nós aproveitamos para ingressar no restaurante e almoçar na companhia do Alberi.
Em pouco mais de quarenta minutos, todos estavam prontos, as motocicletas abastecidas e o grupo "Viageiros Sudamerikoj" estava, pela primeira vez, completamente formado.
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Em Santa Maria, na foto da Gilda, os Viageiros e as máquinas:
Gilberto Cesar, Yamaha 950 - Alberi, Triumph 1200 - Julia, NC 750 - Afonso Harley Davidson 1690 - Paulo, Triumph 900 e Arli, Shadow 750 |
Plenamente integrada ao grupo, Julia assumiu também a responsabilidade das fotos da viagem, juntando-se a Gilda, que já vinha realizando esse papel fundamental de registrar em vídeo e fotografias os deslocamentos dos nossos Giros de Motos anteriores.
A jornada prosseguiu em direção à cidade de São Pedro do Sul, passando posteriormente por São Vicente do Sul, Jaguari e finalmente chegando a Santiago, quando os ponteiros do relógio indicavam pouco mais de 17 horas. A rodovia utilizada, a BR 287, apresentava um movimento modesto naquela tarde, cobrindo uma distância de 157 km.
Santiago foi se revelando aos poucos, e logo se deu a entrada na terra dos poetas, alcunha esta em razão da rica tradição literária da cidade, que foi o lar de renomados poetas como Aureliano de Figueiredo Pinto, Caio Fernando Abreu, entre outros. |
Chegando na cidade de Santiago no RS |
O destino foi o ginásio municipal, onde o evento já estava em andamento. Embora o número de motociclistas fosse ainda reduzido, a recepção por parte dos organizadores aos "Viageiros Sudamerikoj" foi grande, calorosa e cheia de entusiasmo. Em um ambiente bastante festivo, surgiram diversas perguntas sobre a viagem para a Argentina e o Chile, as rotas que seriam percorridas e os lugares a serem explorados.
Isto aconteceu até por volta das 19 horas, quando o grupo se dirigiu ao Hotel Glória para guardar as motos, trocar algumas peças de roupas e depois retornar ao evento. Ao entrar novamente no ginásio esportivo, agora extremamente lotado, a atmosfera era de total descontração, com música ao vivo no palco e muitos motociclistas se dividindo entre conversas e visitas às feiras de produtos relacionados ao motociclismo.
O pessoal do MG Rapinas de, Santa Maria, propôs um churrasco em conjunto, o que foi logo acertado. Assim, os "Viageiros Sudamerikoj" se dirigiram a um supermercado, que não era tão próximo do local do evento, e foram a pé em busca dos suprimentos.
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A caminhada para o Super |
Sendo sexta-feira e já quase no fim do expediente de mais um dia, a demora no supermercado se estendeu bastante, mas ninguém se importou muito. Enquanto isso, alguns pacotes de salgadinhos e algumas latas de cerveja começaram a ser abertas, claro que com a ciência do pessoal do estabelecimento.Foi uma grande festa de churrasco, organizada pelo Arieles, o Chiquinho, que também faz parte do Moto Amigos RS, junto com vários integrantes do nosso grupo de viagem. |
Churrasco com os Rapinas de Santa Maria |
Após a deliciosa refeição, quase todos se dirigiram para o interior do ginásio, onde a festa realmente começou, repleta de música, danças, risadas e momentos de confraternização. Por volta da uma da manhã de sábado, nosso grupo se retirou para o hotel, pois ainda tínhamos a viagem pela manhã rumo à cidade de Uruguaiana.
Sábado, dia 12
Logo ao amanhecer, a luz do sol penetrava as finas cortinas do quarto, enquanto os demais companheiros já começavam a se mover, mostrando sinais de despertar. A proximidade dos quartos facilitava isso.
Com todos acordados, seguimos para o café da manhã, e em seguida aguardamos a chegada do Alberi, que pernoitara com os Rapinas nas proximidades do Ginásio.
Diante do hotel, um imenso desfile de motociclistas passou em procissão, prestando homenagens à Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil, que faz deste dia um feriado nacional.
Depois, um grupo de cavaleiros também repetiu o desfile, mas o que mais se destacou foi a beleza desse grupo; muitas mulheres e crianças montadas nos animais.
Em meio a tudo isso, o calor da cidade era intenso. Por volta das 9h30, ouvimos o ronco da motocicleta do Alberi.
Era hora de retomar a jornada.
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Hotel Glória |
O destino era Uruguaiana, onde o restante do sábado seria reservado para passeios e os preparativos para a travessia pela ponte internacional, com entrada na Argentina programada para domingo, por volta das 8 horas. Entretanto, antes de chegar lá, a viagem incluía visitas às cidades de São Francisco de Assis e, em seguida, Manoel Viana, que ainda não tinham sido exploradas. Vale lembrar que meu objetivo é visitar todos os 497 municípios do Rio Grande do Sul e já estou bem próximo de alcançá-lo. Para chegar em São Francisco de Assis, rapidamente foram percorridos os 52 km que a separam de Santiago, através da BR 377. Nesse trajeto, o que chamou a atenção foram as excelentes condições da estrada e a falta de tráfego intenso. Enquanto circulávamos pela cidade, uma árvore gigante, centenária, plantada bem no centro de uma rua elevada destacou-se na paisagem, tornando a cena bastante encantadora, memorável e de uma sombra exuberante. Na praça central, ergue-se um monumento em homenagem ao gaiteiro Neneca Gomes, considerado o inventor do Bugio, um estilo musical e de dança gaúcha, muito embora a eterna discussão de que este ritmo teria sido criado na outra São Francisco, a de Paula, na serra gaúcha. Na mesma praça, diversos bugios, animais da espécie dos macacos, foram vistos circulando no alto das avantajadas e numerosas árvores que a cercam.
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Monumento ao criador do ritmo musical gaúcho denominado Bugio |
Mais tarde, por volta das 11 horas, foi a vez de Manoel Viana. A cidade enfrentava um calor intenso e a movimentação na rua principal era escassa. |
Área Central |
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Estação Rodoviária de Manoel Viana |
A Ponte General Osório, que atravessa o Rio Ibicuí, construída em 1945, destaca-se como o principal ponto turístico da cidade.
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Antigo caminho dos trens da VFRGS, estatal gaúcha criada em1920, encampada na década de 60 pela RFFSA |
Manoel Viana se afastou dos retrovisores das seis motocicletas que seguiam, conforme combinado, em direção ao Alegrete, com uma parada prolongada para o almoço. A estrada continuava a ser a BR 377, com suas longas retas e os amplos campos verdejantes, criando um cenário impressionante. Não havia nada ao redor e muito menos à vista. O barulho dos motores e a leve brisa, que aumentava de intensidade com o movimento, eram os sons predominantes sobre o asfalto, que, sem dúvida, estava bastante quente com o forte sol que se fazia presente.
Após percorrer 45 km, a cidade de Alegrete tornou-se claramente visível, e o grupo começou a procurar um restaurante ao longo da estrada. No primeiro que avistaram, a entrada dos viajantes foi rápida, assim como a saída do local. Neste, o custo da refeição foi considerado excessivo, algo que ficou evidente por quase unanimidade, já que aqueles que ainda não haviam entrado também optaram por deixar o estabelecimento.
Em um segundo restaurante, localizado a mais de 2 km, e com um posto de combustível bem perto, o grupo pôde se deliciar com um buffet bastante diversificado. Segundo informações, o preço foi praticamente a metade do que pagaram anteriormente.
"Nada acontece por acaso", disse Arli, repetindo com um sorriso a frase que considero um guia em nossas vidas.
Após um almoço satisfatório, os veículos foram reabastecidos, algumas pessoas se alongaram e a viagem reiniciou para os últimos 140 km até Uruguaiana.
Chegamos à minha cidade natal por volta das 15 horas, sob um calor intenso. A rodovia BR 290 não ajudou em nada a manter uma velocidade adequada. O trecho era marcado por remendos mal feitos, buracos e falta de asfalto. Alberi, que também conhece a cidade, estava na frente e seguiu pela Avenida Presidente Vargas. O destino era a Praça Central, onde faríamos a troca de moedas antes de seguir para o Hotel Roma, escolhido como local para passar a noite.
Entretanto, como já havia sido alertado anteriormente ao grupo, teríamos certa dificuldade em localizar casas de câmbio abertas por ser um dia de feriado. Para piorar a situação, surgiu uma nova complicação no cenário dos "Viageiros Sudamerikoj": a ponte internacional estaria fechada das 7 às 9 horas da manhã do domingo devido a uma maratona internacional que ocorreria entre Uruguaiana e Paso de Los Libres.
- Complicou tudo! Precisamos atravessar ainda hoje para a Argentina - exclamei para os meus companheiros.
Nas etapas seguintes, acabamos perdendo o Alberi, que foi rumo ao centro da cidade. Como estávamos perto da rodoviária local, decidi ir até lá para obter informações sobre câmbio de moedas.
- Tranquilo! - respondeu um guarda de segurança do lugar. Todos os taxistas fazem a troca de reais por pesos argentinos.
Com essa orientação, logo encontramos o Fernando, um taxista que além de informar a taxa do dia, ofereceu uma explicação detalhada sobre o câmbio, os custos na Argentina e outras dicas úteis.
- O Alberi já está chegando aqui, informou o Afonso, após ter mantido contato telefônico com o santa-mariense.
Todos realizaram a troca de moeda e, em pouco tempo, o grupo estava se aproximando de um posto de gasolina para reabastecer antes da jornada rumo a Paso de Los Libres. Uma atmosfera de euforia, alegria e celebração predominava entre os viajantes, que acabaram se atrapalhando ao sair do posto. Alberi e eu seguimos pela avenida em direção à ponte internacional. Os outros tomaram o caminho oposto, o que complicou um pouco devido ao sentido obrigatório das vias. Esperamos por mais de quinze minutos pelo grupo que se havia dispersado, até que houve o reagrupamento quando então se rumou para a Aduana do Brasil para os procedimentos da travessia.
O trâmite foi tranquilo e rápido, mas a agente aduaneira estava de mau humor e foi descortês, respondendo de forma seca e carrancuda aos radiantes viageiros.
Sorrisos iluminavam os rostos sob os capacetes dos motociclistas. Pequenas buzinadas, cumprimentos e foi feita uma travessia com extrema tranquilidade.
Os quase 1500 metros da Ponte Getúlio Vargas - Agustin Pedro Justo foram percorridos. A Argentina passaria ser o asfalto que daria continuidade à jornada dos "Viageiros Sudamerikoj".
De Brasil foi isso.
Partindo de Capão Novo, passando por Porto Alegre, Santa Cruz do Sul, Santa Maria, Santiago, São Francisco de Assis, Manoel Viana, Alegrete e Uruguaiana, foram totalizados 889 km de percurso.
Quem somos:
Alberi - Moto Grupo Rapinas
Afonso - Moto Casal "Os Aliens"
Julia - Motociclista Independente
Gilberto Cesar - Moto Grupo Com Destino
Arli, Gilda e Paulo - Moto Grupo Virando Rodas
Fotos: Gilda Valdameri
Julia Schnaider
Texto: Gilberto Cesar
Viajar é preciso.
Viajar de moto, é precioso!
gilberto cesar
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